Um ano em Filmes - 2023
Meus 11 filmes favoritos do ano. Porque 11? Porque eu quis. I'm sorry to say this one is not available in english.
Antes de escrever sobre livros eu escrevia sobre filmes, num caderno só para isso apenas como um exercício pessoal, acredito que entre 2017 e 2019. Existem rumores de que o letterboxd roubou a minha ideia. Quem sabe. Eu não tenho muito conhecimento técnico ou teórico sobre cinema, mas eu acho que para meu propósito aqui isso não importa muito; é uma relação parecida com a que eu tenho com a poesia – eu não saberia explicá-la em termos, talvez não saberia nem dizer sobre o que se trata, só sei se aquilo me moveu de alguma forma ou não.
Quando se aprofunda em uma área do conhecimento, passa-se a enxergar os mecanismos por trás do objeto ao invés do produto final – é assim que interajo com a literatura hoje em dia, afinal faço análises de livros há quase dois anos – e ao atingir esse nível de compreensão, é complicado manter a magia abstrata do componente artístico, sendo necessário um esforço a mais para que a leitura não seja totalmente dominada por conceitos em detrimento do prazer. Já com filmes, tenho uma relação muito mais intuitiva, e não menos profunda ou proveitosa por isso.
Ao revisitar meu diário de filmes eu me lembrei do quanto o cinema foi, e ainda é, uma parte essencial da minha vida cultural. Não tenho vontade de intelectualizar essa relação, pois quero manter o cinema como uma fonte de prazer desobrigado é um momento para descontração. Acho que todo mundo precisa ter um hobby assim.
Vi filmes excelentes em 2023 e não poderia me despedir do ano sem deixar meu tributo a eles, e espero incentivar vocês a assisti-los!
11. Practical Magic - Griffin Dunne (1998)
Nem acredito que eu vi esse clássico das comédias românticas pela primeira vez somente esse ano, já que ele passa a sensação familiar de algo que sempre esteve presente, como os filmes reprisados na televisão antes da era do streaming.
Foi uma das maiores surpresas do ano porque eu não esperava que ia amar tanto assim, muito menos que ia chorar baldes assistindo. Passei umas duas semanas pensando sobre e presa na trilha sonora. No momento em que os créditos rolaram eu quis assisti-lo de novo e sentir a alegria genuína de um filme sincero sobre ser romântico. Entrou pra lista de “comfort movies”.
10. The Quiet Girl - Colm Bairéad (2022)
Talvez o filme mais bonito que vi esse ano, essa é uma história sutil e muito sensível sobre relações familiares, que me fez chorar muito. Cáit é uma criança tímida, parte de uma família irlandesa pobre, negligenciada pelos pais e irmãos, e no início do filme a encontramos quase num estado de abjeção. Durante as férias de verão, ela vai trabalhar na fazenda de parentes distantes, um casal idoso, e lá ela é tratada como uma pessoa de verdade pela primeira vez.
Como o título sugere, é um filme quieto – a brutalidade fica no subtexto e as cenas de drama são extremamente contidas, mas são suficientes para emocionar e gerar empatia. Foi lindo ver o nascimento de uma relação entre pessoas tão desconfiadas e avessas à vulnerabilidade, através de pequenos atos de gentileza. Acho que o filme se resume, de fato, a o que a gentileza pode conquistar. Duvido você assistir e não sair amolecido.
9. Reality Bites - Ben Stiller (1994)
Outra surpresa, esse filme tem muito a dizer se você estiver disposto a ouvir. É uma das melhores representações que eu já vi sobre o caos que é ter vinte e poucos anos: o dilema entre apostar numa ideia ou seguir uma carreira mais “certa”, o tumulto dos primeiros relacionamentos sérios, a dificuldade de ser verdadeiramente independente, as inúmeras mudanças e imprevistos…
O roteiro é ao mesmo tempo realista e romântico, envolto num humor cáustico típico de quem queria ser cool nos anos 90. Inclusive, esse é o filme mais 90s-esque que eu já vi, principalmente por ser protagonizado por ninguém menos que Ethan Hawke e Winona Ryder, um casal de friends-to enemies-to lovers com uma química convicente. Visualmente, Reality Bites mistura a estética da MTV, High Fidelity e um videoclipe do The Verve. Eu entendo se você assistir e não achar tudo isso, mas pra mim, ele tocou em vários aspectos terrivelmente familiares, e não seria a identificação uma das ferramentas mais potentes do cinema?
8. Babylon - Damien Chazelle (2022)
Eu guardo um rancor imenso contra o mundo por ter negado à Babylon o status de obra de arte. Em se tratando desse filme – que foi uma das experiências mais cinematográficas que eu já tive – eu não aceito discussão, não escutarei argumentos nem contrariedades. É grandioso, um tributo à história de Hollywood, um verdadeiro circo. Eu saí do cinema atordoada tentando digerir tudo que eu vi, já que o filme é de um exagero sensacional, e se fosse atenuado para ser mais realista ou elegante teria perdido toda a graça que faz ele ser único.
Honestamente eu não entendo o que aconteceu, porque não é nem que Babylon foi duramente criticado, ele foi completamente ignorado. Margot Robbie entregou uma das melhores performances da carreira dela (muito melhor que em Barbie na minha opinião) e Brad Pitt fazendo um galã em decadência foi um meta-comentário muito interessante. Filme sobre cinema ou teatro é um dos meus subgêneros(?) favoritos e Babylon é um espetáculo imersivo que retrata uma tipo de cinema que hoje seria inimaginável.
Eu realmente acredito que com o tempo ele vai ser valorizado, às vezes timing é tudo. Ansiosa pela Babylon renaissance.
7. The Banshees of Inisherin - Martin McDonagh (2022)
Acho que o brilhantismo desse filme é que ele pode ser sobre várias coisas ao mesmo tempo – às vezes uma história contida e específica é a que permite mais amplitude interpretativa. Para mim é sobre estar encurralado pela própria vida, e como situações drásticas requerem medidas drásticas, só uma atitude brutal é capaz de mover alguém imobilizado e desesperado por mudança, por bem ou por mal. Muitos personagens ali estão presos numa areia movediça psicológica, e para sair dela talvez os métodos tradicionais não adiantem.
Histórias sobre amizade podem ser mais emocionalmente violentas do que romances, talvez porque com amizades não esperamos um término propriamente dito. O relacionamento entre os dois homens é fascinante, principalmente considerando os aspectos envolvendo masculinidade. Existe tanto amor e amargura entre eles, e com o passar dos anos esses sentimentos viraram uma coisa só. É engraçado como isso realmente acontece na vida real: quando você muda internamente, você passa a enxergar os outros diferentemente, e coisas que antes eram aceitáveis passam a ser fruto de um incômodo insuportável (e vice versa). Não é justo com o outro, mas não tem o que fazer. É muito subjetivo e inexplicável, e acho que existem poucas histórias que retratem com sucesso essa experiência tão difícil de definir.
6. La Notte - Michelangelo Antonioni (1961)
Primeiro filme que vi de Antonioni e acho que foi uma boa forma de começar. La Notte é estranho, belíssimo, e muito silencioso. Normalmente tendo a não gostar de filmes com pouco diálogo, e para que eles funcionem comigo o visual tem que ser fora do normal – exatamente o caso dessa obra prima italiana. Tive vontade de emoldurar cada frame e colocar na parede da sala. Esse é um grande exemplar de um filme chic. O que faz um filme ser chic? Não sei dizer, só sei dar exemplos – eles tem uma aura particular.
Pois bem, se o filme não tem um grande roteiro mas tem grande visual, já é meio caminho andado, e a outra metade faltante para ser um sucesso total consiste na atuação, que aqui não poderia ser melhor. Foi meu primeiro contato com o espetacular Marcello Mastroianni (La Dolce Vita, 8 ½), e um maravilhoso reencontro com Jeanne Moreau, uma das minhas atrizes preferidas. Não diria que La Notte é um estudo sobre relacionamentos pois é mais abstrato que isso, porém, amor, desejo, identidade e dever estão no centro da história. O final é desconcertante e ainda penso nele.
5. La Prima Notte di Quiete - Valerio Zurlini (1972)
Esse ano passei (novamente) por uma obsessão por Alain Delon, e depois de anos finalmente assisti o filme que domina a minha home-page do Pinterest. Delon interpreta um professor de literatura melancólico e viciado em jogo, que se envolve com uma aluna que tem uma vida complicadíssima. O título é uma frase de um poema de Goethe, o qual expressa a ideia de que o homem, em sua travessia pela vida, anseia por um descanso que somente a morte pode lhe proporcionar. Este poema – meio memento mori – é discutido em cena durante uma espécie de bacanal, e é um contraste interessante ver uma conversa sobre a morte numa festa que celebra a vida e o hedonismo. O filme é lindo mas bem triste, com um roteiro muito bem escrito. Aviso logo que o final é de partir o coração; me lembra Orfeu e Eurídice.
4. Anatomy of a Fall - Justine Triet (2023)
Melhor filme de 2023? Não sei, pois ainda não vi All of Us Strangers, mas com certeza um dos 5 melhores. Não é exatamente um “murder mystery” (é mais interessante que isso), mas possui o mesmo tipo de tensão. Durante o filme fiquei desesperada para descobrir a verdade do que realmente aconteceu, e fiquei meio em choque quando acabou e eu ainda estava em dúvida. Isso se deve à forma que a linguagem é trabalhada: o uso de depoimentos comprometidos, de idiomas diferentes, do personagem cego e da ausência de relatos em primeira mão torna o espectador parte do júri fictício – sabemos tanto quanto os personagens, e não mais.
Uma coisa que aprendi quando entrei na faculdade é que muitas vezes não é a resposta da pergunta que importa, isto é, não existe certo ou errado, mas sim como você argumenta. Da mesma forma, se a morte de Samuel foi acidental, intencional, ou suicídio é irrelevante, visto que os meandros dos relacionamentos familiares e da forma que lidamos com crimes midiaticos é o que está em jogo. Sandra Hüller, a atriz principal, é quem fez Anatomy of a Fall ser tão impactante – o filme é ela.
3. Il Conformista - Bernardo Bertolucci (1970)
Outro filme com uma fotografia impressionante graças ao icônico cinematógrafo Vittorio Storaro. Il Conformista é baseado no livro homônimo de Alberto Moravia, sobre um homem (meu crush Jean-Louis Trintignant) que é contratado pelo governo de Mussolini durante a segunda guerra para ser espião e assassino. É um personagem complexo, com um passado conturbado e uma obsessão por ser “normal”. Narrativa rica em camadas, ao longo do filme vamos entendendo como era a Europa nessa época sob a perspectiva dos opressores. Nem sempre agradável, mas muito interessante.
2. The Long Goodbye - Robert Altman (1973)
Fui assistir sem muitas expectativas e saí apaixonada. Primeiro, o humor desse filme é algo que me lembrou Shakespeare apesar de as duas coisas não terem absolutamente nada a ver (a princípio). O detetive Marlowe é um homem desleixado que dorme de sapato e mora com um gato num apartamento terrivelmente bagunçado (não foi minha intenção criar uma rima mas quando eu vi rimou, vou deixar assim). Após dar uma carona a um amigo fugitivo até a fronteira do México, ele se torna suspeito de assassinato pois o amigo foi encontrado morto logo depois pela polícia. Assim, Marlowe embarca numa busca homérica, mas meio patética, investigando o assassinato desse amigo para poder provar sua inocência.
O roteiro sagaz (adaptação de um livro de Raymond Chandler), a atuação espirituosa e descolada de Elliott Gould, e a direção sutil de Altman são uma combinação perfeita. Esse filme é apenas muito cool.
A história é contada de forma episódica que me lembra justamente as sagas tradicionais como a Odisséia ou então os Contos de Canterbury, mas com um plot twist final digno de Shakespeare. O único outro filme que vi de Altman foi Gosford Park que também adorei. Ano que vem com certeza vou assistir mais deste diretor.
1. Opening Night - John Cassavetes (1977)
Extremamente brilhante do roteiro à atuação à direção, sem ter absolutamente nenhum defeito. Acho que vocês já estão cansados de ler que “não parei de pensar nesse filme” mas esse aí de fato virou meu roman empire. Do meio pro fim eu já sabia que era um novo favorito. É muito difícil colocar em palavras a experiência que eu tive ao assistir Opening Night, mas vamos lá.
Durante os ensaios de sua última peça, a atriz da Broadway Myrtle Gordon (Gena Rowlands) testemunha a morte acidental de uma jovem fã (que parecia muito com ela fisicamente). Depois ela começa a entrar numa espiral envolvendo álcool, a pressão de estrear a nova peça e o luto confuso por essa fã que a assombra. O filme ao mesmo tempo que revela o drama pesado de uma artista que, a grande custo pessoal, tenta fazer sentido de seu novo papel descrito como uma mulher “velha”, consegue ser hilário nos momentos mais obscuros.
Muitas realizações de Opening Night são fruto do improviso inteligente de Rowlands e Cassavetes, e o exercício de tentar decifrar Rowlands improvisando Myrtle improvisando as falas na peça é como assistir uma versão distorcida da peça dentro da peça em Hamlet. Conseguir fazer um filme que se aproxima tanto da experiência teatral realmente demonstra a habilidade única de Cassavetes.
A frase que ficou comigo foi quando o diretor da peça, com quem Myrtle flerta, diz a ela “Você não é mais uma mulher para mim. Você é uma profissional" como se fosse um incentivo. O desespero de Myrtle ao perceber que está se aproximando de uma velhice solitária porque ela virou uma “profissional”, algo aparentemente incompatível com ser mulher, a coloca num ciclo de autodestruição e questionamentos dolorosos (porque importa tanto que a personagem da peça é “uma mulher envelhecida? o que isso quer dizer para nós? o que isso quer dizer para Myrtle?). O final de Opening Night, quando finalmente vemos a peça que Myrtle passou o filme todo ensaiando, é uma das cenas mais geniais que eu já assisti. De dar arrepios. O filme é uma verdadeira montanha russa de emoções. VÁ ASSISTIR!